quinta-feira, 16 de abril de 2015

O meu reflexo que é você

Era um espelho apenas, o qual refletia toda uma realidade que estava escondida bem lá no íntimo de um passado não muito distante. O espelho que nos dizia todas as noites, após alguns minutos de deleite, o que éramos: claro que só exteriormente, uma vez que espelhos comuns não tem o poder de ver mais adentro. No entanto, o que me deixa mais aflita, é que agora percebo que aquele nunca fora um espelho comum.
Era um espelho simples. Refletia tudo, como todos os outros, ou... quase tudo, penso agora. Era quadrado e disposto em uma das quatro paredes daquele minúsculo lugar. Não tinha moldura, mas podia muito bem funcionar como um retrato: era o que acontecia, quando nós resolvíamos permanecer diante daquele objeto, diga-se de passagem: mágico. Aquele espelho emoldurava nossos corpos nus, entrelaçados e parados de uma forma que fugia ao natural. Eram dois corpos: um olhando para o outro, ou não. 

Costumávamos ficar ali por alguns minutos: parados, abraçados, pensativos. Como se a força de ambos dependesse decididamente, um do outro. O que não era muito, mas era o que tínhamos: força. Sim! Éramos muito fortes, todavia, sempre pensávamos que os fortes eram os que contribuíam para nossa infelicidade: não era verdade. Mas, naquela época, ainda não dávamos conta disso.
O outro corpo, não conseguia pensar. Não era qualificado o suficiente para isso... tão hipócrita, ingênuo e infantil, mas além disso podia ser alto ou baixo, dependendo do olhar que eu lançava sobre ele. Pelo menos ele podia ser vários ao longo de um período e, ainda assim, continuar com toda aquela essência. O meu corpo, por outro lado, ao se deparar com aquele, se sentia só; apesar de haver uma incrível e tão harmoniosa conexão entre os dois. Eu me sentia uma formiga, uma formiga longe da sua própia sociedade e logo, por isso: uma formiga perdida. Eu havia me perdido naquele abismo, me afogado naquele mar... no abismo que era a cor dos meus olhos negros e no mar daquele azul sem fim refletidos tão perfeitamente no espelho: em noites sem lua, em noites sem festas, em noites comuns.
Eu permanecia em devaneios por minutos, horas até. E o outro corpo, me acompanhava em tudo, talvez não na mesma linha de pensamento, mas decerto sempre estava ali: presente, bem junto à mim. Creio que se eu o perdesse, enlouqueceria e chegaria até, a perder a minha própria alma. E apesar dele ser tão ingênuo, creio que sem aquele outro corpo comigo eu não seria capaz de ter um raciocínio lógico, tão lógico assim.
Em minhas crises existenciais de "Ser ou não ser", ele sempre se mantivera ao meu lado, assim como o espelho, dependendo do ângulo. Ele sabia o que eu passara até ali e estou certa que sempre torcia para que eu não sentisse muita dor, porque senão: ele fingiria sentir também. Sim! Aquele sabia ser um fingidor, fingia sobre tudo, sobre todas as coisas. Era o seu maior dom, e às vezes, eu me sentia mal por isso. Mas não tinha do que reclamar, afinal de contas, ele jamais hesitara em ir à qualquer lugar que eu fosse, ou fazer tudo o que eu almejava fazer. Com toda a certeza, era o meu companheiro para tudo.
"Espelho, espelho meu... " era o que nós dois fazíamos depois de ficarmos deitados, um sobre o outro, na cama. O espelho era o nosso refúgio: gostávamos - e muito - dele. E como gostávamos! Podíamos ser quem quereríamos ser entre aquelas quatro paredes e o espelho? Ah... uma mera testemunha. Sofríamos bastante com aquele amor, mas gostávamos dele. Não dizem por aí que o sofrimento é opcional? Pois gostávamos desta opção. Foi uma opção minha e daquele outro corpo: sofrer. Se tivéssemos que sofrer, sofreríamos juntos então.
No entanto, eu como ser pensante, às vezes paro e imagino: será que ainda levo muito tempo a fazer tudo isso com ele? Ou será que este corpo também desistirá de mim? Não. Decididamente, ele não pode fazer isso comigo. Nunca poderá e não o fará. Porque sombras, acompanham-nos onde nós queremos, e fazem o que queremos fazer. Apesar de serem fingidoras a maior parte do tempo, podem ser os mais sinceros corpos.
Só fico a pensar, se até o fim de meus dias, acabarei assim: eu, ele: o outro corpo; que é minha sombra; e o espelho.

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