segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Asma

O problema - ou um dos grandes problemas - de uma grande paixão aterradora funciona mais ou menos como asma: prende sua respiração e até te atrapalha muitas vezes, mas você é viciado em fumar e não consegue sobreviver sem aquilo, culminando no agravamento da doença. Digamos então que a paixão é a sua asma, você não vive sem; o cigarro é a pessoa pela qual você se apaixonou e sua asma é o obstáculo que te impede de chegar no objeto alvo: o cigarro. Logo, a sua asma te impede de fumar, de estar ali com a pessoa pela qual você foi abaixo: o tal do "fall in love". Mas você insiste em fumar e isto só agrava mais a sua saúde.
(...)
Tem certas coisas na vida, que é melhor não fazer ou nunca ter o prazer de provar, de sentir, de viver. Maria Clara sofria de asma. Quando criança tinha muitos ataques e como ela adorava quando Israel, seu pai, a levava para a beira do lago para que ela tentasse respirar melhor! Mas isso era quando ela ainda fora uma criança, ainda quando o seu pai estava vivo. Agora, a sua asma havia voltado: em uma crise maior, que lhe afetava diretamente - além dos pulmões - a mente. E o coração. E Israel já não estava mais ali para levá-la para um ponto de refúgio, de libertação. Quando criança seu pai fora o homem da sua vida, mas depois de sua morte, no período da adolescência de Clara, logo depois surgiu um outro. Ele se chamava Gustavo.
Ela ficava tempos sem vê-lo, mas quando o destino se encarregava de colocá-los lado a lado ou frente a frente, todas as memórias, sensações e lembranças voltavam. Voltavam como um tsuname, ou um tornado ou um abismo: característica tão marcantes dos olhos de Gustavo, pretos cor de abismo. Abismo. Tentação.
Se encontraram por outro acaso do destino. Se abraçaram como há muito não faziam. Um abraço tão apertado, que Clara perdeu o ar: primeiro, por conta da asma. Segundo, por azar de ter fumado. Terceiro, por tê-lo encontrado uma vez mais e ter a plena certeza que logo o perderia. Afinal, quando tragamos a fumaça, ela sobrevive um determinado tempo dentro da gente; às vezes em uma questão de segundos, e depois se esvai. Se tentarmos mantê-la em nossos pulmões, os estragamos e perdemos nossa força vital.Maria Clara sempre tivera que escolher e; uma vez mais, optou por deixar Gustavo ir embora. Sustentá-la por questão de segundos, como a fumaça que saíra de seus pulmões, e esvair-se no ar. Assim: tão livre.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Espelhos D'água

Geralmente água nos faz lembrar de coisas boas. Com exceção de chuva, que particularmente, remete a coisas tristes. Já reparou que em novelas e filmes, em momentos caóticos e de profunda tristeza ou de repentina mudança na vida do personagem, sempre chove? Então: é disso que eu estou falando. Mas no dia que aconteceu todas essas coisas que eu vou contar daqui a pouquinho, não chovia. Pelo contrário: fazia muito calor.
(...)
Nos conhecemos em um desses raros momentos em que, ao passar um ao lado do outro, damos a sorte (ou o azar, nunca se sabe) de, por coincidência ou destino, esbarrar um no outro. Eu curto essa coisa do olhar. Desde criança devo ter tido o meu olhar como algo muito marcante. Um professor do ensino fundamental me chamava de "Olhos de Jabuticaba", depois, na adolescência, fui descobrir que jabuticaba era uma fruta pretinha, redonda e um pouco azeda. Ao longo dos anos, creio que fui ficando azeda em muitos aspectos, mas todo esse azedume começou a sumir no momento em que os meus olhos de jabuticaba cruzaram com os olhos iguais a espelhos d'agua de um azul nítido e profundo daquele garoto.
Compartilhamos muita coisa ao longo do tempo. Uma amizade normal, terna e com o passar dos anos veio o distanciamento. Um dia; muito quente por sinal; o encontrei pela rua, mas já havia passado tanto tempo e tanta coisa havia acontecido que quase não o reconheci, por exceção dos olhos: tão azuis quanto o mar, tão cristalinos quanto água pura, dessas que não se encontra por aí... em qualquer torneira.
Por outro lado e apesar do calor, ele veio como uma chuva de verão aterradora, caótica e tempestuosa: destruiu tudo o que podia haver de bom em meu coração, corpo e mente. Algumas vezes, depois que longas chuvas caem, saio de casa e fico olhando as poças d'águas e me lembrando dos olhos dele. É como se eu pudesse me ver refletida naquela iris e, ainda assim, não ser mais a mesma.
Inspiração. Necessito de inspiração.

São Carlos, São Paulo, Brasil - 22.01.2015 17:30 hrs