terça-feira, 6 de março de 2012

Baco

"Ele sentou ao meu lado. Minha respiração descompassada demonstrava meu desconcerto em relação aquele corpo ali. Eu podia ver perfeitamente seu rosto de perfil: sua barba por fazer, o seu sorriso sutil e três marquinhas de expressão perto dos olhos quando ele se punha a sorrir. Um arranjo de face, em uma harmonia perfeita. Ele, no que diz respeito à padrões estéticos estereotipados, não podia ser designado como um ator hollywoodano, todavia; para mim, era simetricamente perfeito, uma vez que sua postura intelectual rica e espontânea, fazia-o parecer como ao deus do vinho, triplamente evoluído, pelo menos, para mim.
Ele me olhou. E sorriu.
A aula ficara em segundo plano, àquela altura.Já não me interessava o que o doutor estava a falar. Algo sobre política... penso eu. Na sala, longa e meio obscura, só havia eu. E ele. Pelo menos naquele instante, dentro de toda minha imaginação; em que minha mente se concentrava em materializar aquele olhar entre os meus; e idealizar um possível contato em que o meu corpo também pudesse sentir o calor daquele outro corpo e partilhar um pouco de toda aquela experiência metafísica e interior em segundos de execução.
Alguém estava a me desconcentrar. Um garoto que sentara-se atrás de mim, estava a me dar a folha de presenças e indicou que eu deveria dar à Ele. Eu parei no tempo. O coração acelerado, fazia um barulho: "tum-tum, tum-tum". Pensei que este, iria sair pela boca e que todas as pessoas ali presentes, ouviriam o seu "tum-tum-tar." Eu lhe estendi a folha, ele a pegou, me olhou. E sorriu.
Novamente.
E eu? ah! eu não fiz nada. Acho que retribui-lhe com um sorriso meio amargo, meio tolo, meio polido. Engoli em seco. Corei e abaixei a cabeça. Acho que isso decunciou à ele, tudo o que eu estava a sentir naqueles dois segundos em que as pontas dos meus dedos, se encontraram com as pontas dos dedos dele.
Eu nunca ficara tão encabulada com a presença de alguém. Mas aquele jeito todo intelectual, polido e espontâneo, despertava em mim algo paradoxal e esdruxulamente bom.
Eu precisava parar com aquilo. Morpheu estava a me encantar em seus sonhos, como sempre. E a me iludir mais uma vez. Eu quereria participar do manjar dos deuses no Olimpo, me embriagar no vinho de Baco e adormecer ao som da gaita de Morpheu. Quereria eu, provar o sabor peculiar de fruta, no sentido lato de sua criação, de sua significação. E essência. Baco, fizera renascer em mim, o amor pelas palavras novamente, e como em uma melodia mozartica, eu estava a me descobrir a teclar sem parar as letrinhas de um teclado, como há muito, não mais fizera. Ele, redespertara em mim, todas aquelas sensações orgásticas inefáveis, que seres humanos, meros mortais como eu, sofrem ao se apaixonarem mais e vez mais.
Baco e suas tão poderosas tentações. Conseguiria ele então, me drogar sem um pingo de vinho? Me vulnerabilizar, com apenas um olhar? Me deliciar com sua voz doce, a recitar-me poemas? Me levar ao àpice transcedental, com apenas um toque de seus lábios nos meus? Não sei. Mas ele, como à um deus grego, se quisesse, seria bem capaz de fazer tudo isso.
E muito mais."


Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra - Portugal.
19:45 Hrs.