domingo, 28 de dezembro de 2014

Lavanda

Dedico à minha avó: onde quer que ela esteja.


Não pensem que foi fácil. Se tem coisa difícil nessa vida é conquistar os sonhos que temos, quando ainda crianças deitamos, dormimos e sonhamos com alguma coisa e quando nos tornamos adultos vamos lá e fazemos com que este sonho se torne realidade. Eu saí de casa com 8 anos de idade. Com pouca idade e muita coragem no peito, resolvi que seria uma versão do Don Quixote feminina e contemporânea: apenas com uma mala, alguns pertences e nenhum Sancho Pança para me acompanhar, peguei estrada e segui no mundo. O primeiro grande obstáculo foi ter que me acostumar a outra vida, em outra casa, com outra família. Demorou um tempo importante e crucial para eu perceber que nada daquilo ou daquela vida nova que agora eu tinha, substituiria tudo o que eu vivera e tivera até ali. Por outro lado, era preciso ser forte, pois como eu disse: "nada nessa vida é fácil e o sucesso não vem como a chuva: que cai do céu". Bom... foi um período difícil a da adaptação e essa adaptação durou cerca de uns 15 anos. Ainda hoje me pergunto se estou realmente acostumada com a vida que levo, com o meu trabalho e com a família que tenho. Já me questionei diversas vezes qual o verdadeiro significado dessa palavra "família" e ainda estou aqui: completamente sem respostas. E sozinha.
(...)
Meu nome é Helena. Creio que minha mãe me deu esse nome, por causa da Helena de tróia, que segundo ela, foi uma grande guerreira na Grécia Antiga. Eu sei que todo mundo tem uma história e, que essa história, vai definir o caráter e a personalidade do personagem que eu sou neste momento e naquele no qual eu vou me tornar até o fim desta história, que é a história da minha vida: um pouco resumida e um tanto prolixa e é por conta disto que vou escrever-lhes aqui: nos mínimos detalhes.
Tudo começou em um dia quente, muito quente, até. Minha mãe biológica fora para a Guiana Francesa, trabalhar. Eu, ainda com 7 anos fiquei na casa da mulher intitulada minha avó. Eu, ela e meu irmão mais novo. Era a única mulher mais velha da casa, com exceção de minha mãe, claro; e ela sempre tinha aquele cheiro de lavanda, de banho tomado e sempre fazia arroz com abóbora, daqueles que ficam pregados no fundo da panela. Ela gostava de cantar alguns hinos, tinha uma voz meio estridente. Principalmente quando brigava comigo, por não ter prestado atenção em meu irmão quando este começava a chorar, ou quando sentia fome.
Ainda hoje também procuro o significado desta palavra "avó" em diversos meios de informação. O mais curioso de todos eles é um que encontrei em um dicionário velho, todo empoeirado que estava em cima da mesa do meu escritório e que encontrei um dia desses, após sair exausta do tribunal, - onde defendi um senhor humilde que havia roubado um frango em um supermercado, na noite de natal. Fiquei pensando como essa vida é injusta: tantas pessoas por aí roubando milhões e a "Justiça" se preocupando com um pobre moço que roubou um pouco de comida para saciar sua fome, diga-se de passagem, em uma noite de natal. - Mas voltando ao significado das coisas e falando em natal: muita gente esqueceu o que isso significa verdadeiramente.
(...)
Costumamos esquecer as coisas que um dia já conhecemos ou que realmente fizeram parte de nossas vidas. Eu nunca consegui esquecer minha vó. E do cheiro de lavanda dela. Eu não sei em qual ponto da minha infância ela começou a me odiar. Melhor: até sei, mas prefiro pensar que tudo isso, não faz parte da minha vida. Ou pelo menos dessa vida que criei e que como eu disse: não sou muito feliz.
O fato é que cresci. Cresci longe da minha mãe, do meu irmão mais novo e da minha vó. Minha saga em conhecer o mundo e seus perigos durou um período de tempo e eu pude crescer muito com isso. Pelo caminho que trilhei, fui abandonando minha armadura e a sede por novas aventuras. Sem perceber fui perdendo as características de Don Quixote e me tornando uma garota dos olhos oblíquos e um pouco dissimulada: julgada pela família, pelo irmão mais novo e pela avó - principalmente. Saí de casa com 8 anos. Hoje, tenho 23. Estou como há quinze anos atrás: no mesmo lugar onde eu estivera. Com o meu irmão mais novo, agora um pouco velho, com minha mãe - que antes não estava - mas sem minha avó e sem aquele cheiro de lavanda.

Sábado, 12:45 p.m. - Amapá do Maranhão, Brasil