terça-feira, 21 de abril de 2015

O mar dos teus olhos

Dedico para você que me faz viver um mar azul de sensações. 

Com amor.

Ao J.

Querido Diário,


É sempre muito difícil falar "eu te amo". Na verdade, difícil, difícil, não é... mas as pessoas complicam isso o tempo todo. Seria tão mais simples se pudéssemos dizer o que sentimos sem esperar o mesmo em troca ou sem se preocupar se a pessoa vai ficar assustada, sem reação, espantada, perplexa ou feliz. Isso: feliz. Vejam só... eu disse: até mesmo feliz.
Sim! Porque a Felicidade é uma coisa muito rara hoje, muito abstrata. Conceitual. Na realidade, sempre foi. Ou, lá não sei eu, nunca nem existiu. Para falar a verdade, ela é o ingrediente mágico que falta na vida de cada ser humano que nasce e que vive na busca eterna, incansável e fatídica de ferramentas para encontrá-la.
A principal ferramenta para a Felicidade é, justamente, poder identificar-se através do outro, do "conhecer" o outro, pois é desde este detalhe, mínimo talvez, que crescemos enquanto indivíduos e podemos nos reconhecer enquanto a verdadeira essência do que somos. A partir daí, nos tornamos aptos e imersos no conhecimento mais profundo acerca de nós mesmos.
Eu sempre fui de falar "eu te amo" a torto e a direito para as pessoas que eu re-a-l-men-te amo. Sou assim: espontânea, sem escrúpulos e penso que não há porque não falar o que eu sinto, quando eu sinto, para as pessoas pelas quais eu tenho algo que sei que sinto.
Bom, você entendeu: no final das contas, não é só falar - gestos também dizem muito; mais até que as famosas palavras; e as vezes, para você dizer que ama, nem precisa verbalizar: pode parecer clichê, mas apenas um olhar já é capaz de passar toda essa energia desse sentimento tão benigno que é esse tal de Amor.

Bom... mas voltando ao tópico do "verbalizar"o sentimento, vou lhes contar o que me passou outro dia. Como eu disse, sempre falei muito que amava para quem eu amava e quando eu amava. Mas ontem, especificamente ontem, eu vivi a experiência de dizer o primeiro "eu te amo" para uma pessoa que não é meu irmão, nem meu pai, nem minha mãe, nem meus amigos (que a propósito, ouvem isso regularmente de mim), nem a Sofia (minha cachorra). Mas como foi a primeira pessoa, neste sentido e dentro deste contexto tão (e completamente) novo para mim, confesso que não soube mesmo o que fazer.
As palavras saíram naturalmente, segmentadas, ao mesmo tempo (apesar da dicotomia) por um triângulo que os meus olhos faziam enquanto eram direcionados neste sentido: da boca dele para o olho esquerdo, do olho esquerdo para o olho direito e do olho direito para a boca, fiz isso umas três vezes, rápidas, mas que no meu subconsciente demoraram uma vida para acontecer.
Foi tão simples, tão enaltecedor dizer aquilo. Me senti a pessoa mais leve do universo - tanto que poderia muito bem ter virado esse pedaço de papel e ter voado por aí com a menor brisa que houvesse - e; para além de tudo: muito, muitíssimo e extremamente feliz.
Eros e os seus encantamentos. O problema é que me apaixonei pelo filho de Poseidon e eu não sabia nadar. Na verdade, nunca fui muito fã de mar e navios e todas essas coisas que envolvem elementos marítimos. E, um grande problema; não para mim; mas creio que para ele... é que ele queria viver em uma ilha. Uma ilha só dele e creio que ali não havia mesmo lugar para uma pessoa como eu: expansiva, espontânea, sem escrúpulos e nem para o cara que insistia; naquele momento; em me acompanhar: O Amor.
É... esse parágrafo compridão foi tudo o que eu pensei enquanto fazia aquele triângulo lá, com o olhar. E uma lembrança que não sai mesmo da cabeça, fico remoendo isso e já faz 24 horas: ele não disse nada e eu também, sinceramente, não esperei que dissesse, pois como eu disse, eu não faço e nem digo as coisas esperando receber na mesma moeda. A vida seria muito pacata e sem graça se fosse assim.
Ele me olhou, fez exatamente o mesmo movimento em relação à mim, aquele lá... do triângulo com os olhos; passou a mão por sobre a tez da superfície fria (quase congelada de nervosismo) da pele da minha bochecha direita, me olhou bem no fundo dos olhos - quase pensei que ele veria minha alma daquele jeito, eu hein?! - e... não disse nada. Nada. Nadinha.
NADA, gente!
Bom... aí eu fiquei sem graça porque me senti uma completa patética que além de ter acabado de declarar oficialmente o que estava sentindo, ainda estava ali: no meio do mar; que eram aqueles olhos azuis; sem barco com ou sem vela, começando a me afogar.
Fechei os olhos enquanto ele me dava um beijo também. Quando eu abri, continuei olhando para ele em silêncio. Ele também me olhou. Ficamos assim um bom tempo, três minutos, talvez. Me beijou na face, depois me abraçou, me olhou de novo e veio novamente em minha direção... dessa vez, em um beijo terno, sutil, porém demorado. No meio do beijo, eu abri meus olhos - aliás... você já se perguntou porque a gente fecha os olhos quando beijamos? Eu sempre me questiono sobre isso... deve ser porque a gente fica parecendo peixe, se beijar com os olhos abertos... bom, sei lá. 
E quando eu abri, vi que ele, enquanto me beijava, sorria também. Eu comecei a sorrir e, de repente, estávamos os dois lá: rindo sobre nada, juntos no mesmo barco indo talvez para aquela ilha - ou não, mas isso agora já não importava - e sim: acompanhados pelo Amor.
Ele não disse e também não precisa dizer. O que importa é o que eu sinto e, enquanto isso me fizer bem, acredito que devo e lutarei para continuar sentindo. Agora estávamos ali, no meio daquele oceano azul, juntos, unidos e se eu tivesse que nadar ou navegar para chegar naquela ilha... por quê não? Já não dizia Pêssoa que navegar é mesmo preciso e que viver nem sempre é assim? Deixo essa pergunta para vocês responderem, já que preciso voltar para dar um final para essa nova história. É... o amor tem várias formas. Talvez dessa vez eu deva mesmo me afogar.

Maria Clara,
Paris, 31 de dezembro de 1992.

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