terça-feira, 29 de agosto de 2017

A virtude do virtual


Dedico a um estranho que encontrei em um domingo de sol. 
Ao G,
Com carinho.

A tecnologia aproxima, mas também tem o poder feroz de distanciar. Tudo é muito rápido nessa era tecnológica: precisa ser. Acontece que com tanta tecnologia e com tão pouco tempo para se ter tempo, acabamos nos perdendo em meio a um pensamento ultra-existencial: o de viver ou não o momento.
Quando estamos longe, acabamos ficando mais próximos um do outro, do que estando, realmente, perto dessas pessoas. Quer um exemplo? Saia com um amigo e eu não te dou dez minutos para que ambos estejam ali, juntos, porém separados pelo mundo virtual, afinal, viver a realidade verdadeira se tornou fatídico, imprevisível e cansativo.
Hoje, se você tem fome, basta instalar um app de delivery. Se tem vontade de ouvir  música, lá está uma série delas de todos os tipos e preços. Quer comprar roupa, sapato, eletrodomésticos? Quer viajar, pagar a conta do banco? Simular perda de calorias? Tudo tão rápido, nesta era tão veloz, neste Tempo tão sem tempo. Ah... e o cansaço! O cansaço de viver esta vida real, porém tão ilusória, de amores imperfeitos, de amizades não tão francas, de uma família que já não é suporte. Então recorremos novamente à fuga: e lá estamos nós, novamente, vivendo uma realidade virtual mais real que muita vida ao vivo. Baixa um app daqui, outro dali e, assim caminhamos para a ideia, aquela que criamos sobre a tal Felicidade.
Sua amiga te bloqueou no whatssap? Motivo para você nunca mais olhar na cara dela. Você odeia grupos, mas seus amigos fizeram um e te incluíram, aí você resolve sair dele e ninguém mais lembra da sua existência. Ou pior: seu relacionamento acabou e você tenta, por mais que isso seja difícil, acreditar que sim, a felicidade pode estar em um daqueles apps e, mais uma vez, está você lá: escravo da app store.
Esses dias baixei um app e resolvi conhecer alguém... afinal, há tempos  não me dava este presente, oportunidade, prazer ou seja lá o que isto possa vir a ser. A verdade é que eu estava curiosa para provar da sensação: o frio na barriga, a ansiedade pelo encontro com um ser que até então, estava do outro lado da tela: pixelizado, intocável e tão friamente idealizado em um universo virtual que tão prontamente poderia estar ali, objetificado em sua forma quente, orgânica e cheia de calor: falando comigo, téte-a-téte. A propósito, a termodinâmica, talvez, viria bem a calhar até, quem sabe? Mas é bom lembrar de Kant, grande mestre e sua metafísica, afinal: corpos serão sempre algo a mais do que apenas corpos e a gente precisa atentar a isto, mas...
Pois bem, aquele frio da barriga foi virando mais frases na mensajería, mais vírgulas nos parágrafos e mais ansiedade na vida real.
Aí a gente se dá conta que nossa vida real é uma farsa, onde ser sincero ou espontâneo, assusta. As pessoas gostam mais de jogos e eu não entendo o porque, principalmente quando o que mais buscamos é, como eu disse: não perder tempo. Viva o virtual! (Já que viver mesmo, em tempos como este, não é lá uma das coisas mais fáceis a serem feitas.) como já dissera Lulu Santos: "E assim caminha a humanidade: a passos de formiga e sem vontade."
Chegado o momento, acaba-se esquecendo que o app era a fórmula mágica da felicidade, o escape perfeito para a utopia idílica do true love e dos tais happy ever afters. Só que não, né? Porque daí ao invés de mantermos lá as frases frenéticas sob uma superfície cara, de cristal composto, o que a gente quer na verdade é essa verdade real que no final é ilusória e, daí, meu amigo, depois da troca de calor em uma termodinâmica não tão dinâmica assim, a Frustração. A frustração com 'F' maiúsculo, doce e tão dicotômicamente amarga que é esse poderoso sabor mesclado e confuso de uma boa, todavia paradoxalmente maléfica,  dose de Realidade. O pior, é que na maioria das vezes, ela vem sem aviso prévio ou qualquer outro tipo de notificação.


São Luís, Maranhão - Brazil  02:31 a.m. 08/29/2017

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